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Tudo o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum, fá-lo também aqui na tua terra". Acrescentou depois: "Em verdade vos digo, nenhum profeta é bem recebido na sua pátria". São Lucas, IV, 23-24
"Baggio nooooooooo". É com este grito vívido e lancinante que o comentarista inglês da célebre final do Mundial de futebol de 1994 reage ao mítico falhanço de Roby. Há imagens que perduram eternamente na nossa alma. Algumas ocultam-se, lenta e inexoravelmente, nos labirintos sombrios da nossa memória, quedando-se sepultadas no bafio da nossa existência. Outras, candida e suavemente, emergem de lés a lés, recordando-nos que o homem é um ser contingente, que falha aspirações e perde vontades. A imagem que doura esta posta foi porventura a minha "Estrada de Damasco" no gosto incondicional que adquiri pelo desporto rei. Recordo-me, como se fosse hoje, da impressão que este instantâneo futebolístico me provocou. Tinha então 7 anos. Naquela altura, na minha inocência pueril, fiquei encantado com o estilo elegantíssimo daquele jovem italiano, estrela da então poderosíssima "Vecchia Signora", que, com um tímido sorriso de craque, marcava e fazia marcar. Achava piada ao corte de cabelo desafiador de convenções e gostos. Gostava dos golos e da forma infantil como Roby os celebrava. Baggio foi isso tudo. Foi, acima de qualquer outra coisa, um ídolo. Não um ídolo de barro, daqueles que fazem tombar e erigir religiões, mas, sim, um ídolo de carne e osso, um precursor de tirocínios futebolísticos. Para quem começava a ver e a degustar a essência do futebol, uma imagem destas tinha o seu quê de trágico. E, no fundo, foi esse o grande legado de Baggio, um homem que nos ensinou, melhor do que qualquer outro praticante da modalidade, que a vida é feita de emoções díspares. Enquanto a perfeição relampeja suavemente na campina do triunfo, o assombro da perda descomunal vem sub-repticiamente trilhando o seu caminho. Não obstante o predomínio dessa dimensão trágica, Baggio teve uma carreira ímpar. Foi um dos maiores talentos da sua geração, e, com Rivera, o maior futebolista italiano de todos os tempos. Ganhou a, tão cobiçada por estes dias, Bola de Ouro, e foi considerado o melhor jogador do mundo em 1993. Deixou a sua marca em todos os clubes por onde passou, com especial destaque para a Juventus. Marcou em 3 mundiais seguidos, e reconduziu a sua selecção ao topo do futebol mundial. Ao invés de outros, Baggio não enjeitava as responsabilidades. Tanto é assim que nos grandes momentos levava sempre a água ao seu moinho. Dono de um carisma nato, incompatibilizou-se, amiúde, com muitos técnicos, e foi desprezado por outros tantos, mas a poesia do seu futebol jamais se perdeu. É esta a sina de quem atinge os píncaros, sem abandonar o ego às cretinices dos bajuladores. Maradona e Romário, para não ir mais longe, que o digam. Foi assim que Baggio encantou as multidões que o idolatravam. É certo que num segundo fatídico falhou clamorosamente, rompendo, com isso, o seu elã junto de muitos adeptos, sem embargo, mostrou a todos que não há ídolos divinos. Mostrou, também, que a técnica burilada claudica nos momentos mais inesperados. O homem é assim, imperfeito e limitado, e não há futebolista, por mais perfeito que seja, que escape a este diktat, nem mesmo Messi. Baggio falhou, sim, mas continuou o seu caminho, espalhando a classe imarcescível dos que não se dobram às fatalidades da vida. Obrigado por tudo, Roberto Baggio.
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